quarta-feira, 11 de maio de 2011

"A escassez de mão de obra qualificada vai acabar"

Fernando Haddad, ministro da Educação
"A escassez de mão de obra
qualificada vai acabar"
Ao anunciar o projeto de lei
para criar o Programa Nacional
de Acesso ao Ensino Técnico
(Pronatec), em 27 de abril, a
presidente Dilma Rousseff
admitiu que a capacitação da
mão de obra já não atende às
necessidades do País
Por Denize Bacoccina e Guilherme
Queiroz
A dura missão de recuperar o
atraso nessa área está nas mãos do
ministro da Educação, Fernando
Haddad. Ele pretende expandir de
um milhão para três milhões o número
de pessoas preparadas no ensino
técnico, que terá um investimento
de R$ 1 bilhão para aumentar a
oferta de bolsas e de crédito para
estudantes. Em entrevista exclusiva
à DINHEIRO, Haddad afirma que
os resultados desse programa poderão
ser vistos dentro de alguns
anos.
DINHEIRO – No lançamento
do Pronatec, a presidente
Dilma admitiu a dificuldade enfrentada
pelas empresas para encontrar
mão de obra qualificada.
O programa acabará com isso?
Em quanto tempo?
FERNANDO HADDAD – Ao
longo da última década, nós mais que
dobramos o número de técnicos formados
no Brasil e triplicamos o número
de graduados. Tenho dito que
esse esforço vai produzir efeitos de
curto prazo e as empresas vão sentir
a diferença. Significa dizer que essa
sensação de escassez de mão de
obra seria muito pior se o esforço
de expansão não tivesse sido feito.
Se nos lembrarmos que, há 30 anos,
os engenheiros formados não tinham
mercado para trabalhar, o cenário
hoje é muito melhor. Estamos num
ponto em que as empresas ainda se
ressentem da falta dessa mão de obra
especializada, mas essa sensação vai
melhorar.
DINHEIRO – Mas a sensação
entre muitos empresários é a
oposta, de que haverá um déficit
ainda maior.
HADDAD – As nossas projeções
indicam o contrário. A decisão de
expandir as universidades federais foi
tomada em 2005. De lá para cá,
dobramos as vagas de ingresso, que
eram em torno de 110 mil e são agora
220 mil. Pode-se dizer que esse número
já deveria ter atenuado a sensação
de déficit, mas é preciso cinco
anos para formar um engenheiro.
Por isso, digo que a sensação vai
diminuir. Hoje muitos investimentos
em educação estão maturando.
"Queremos condicionar o seguro-desemprego
à frequência em cursos"
Fila de trabalhadores requerendo o
seguro-desemprego em São Paulo
DINHEIRO – De que modo
essa deficiência na qualificação
atrapalha o desenvolvimento do
País?
HADDAD – Em todos os sentidos,
sobretudo quando se está num
ciclo de crescimento. Quando a economia
não cresce, como ocorreu nas
décadas de 1980 e 1990, não se
nota isso porque se está
“subcontratando”. É o caso do engenheiro
que abre uma loja de sucos
porque não tem mercado. Quando
a economia passa a crescer, há um
custo associado ao déficit de qualificação.
Mas, a sensação de es-cassez
de mão de obra qualificada vai diminuir
porque hoje estamos formando
muito mais do que no passado recente.
DINHEIRO – Mas o quadro
já pode ser considerado bom?
HADDAD – Diria que há setores
que ainda se ressentem muito da
falta de qualificação. Mas, no curto
prazo, vai melhorar. Sobretudo, porque
o Pronatec foi lançado para uma
área onde ainda não tínhamos um
ENTREVISTA
Continua
11/05/11
programa de grande porte, ou seja,
em qualificação. Muitas vezes, o que
falta é o profissional de nível médio
com um preparo mais específico. Os
números mostram. Desde 2005, tivemos
seis milhões de matrículas no
ensino superior e um milhão de matrículas
no ensino técnico.
"Houve uma ampliação de 23% nas
vagas gratuitas do Sistema S, pelo Senai
e pelo Senac"
Aluna durante aula em escola do Senai
DINHEIRO – Por que essa diferença
tão grande entre os números
de matrículas?
HADDAD – Porque começamos
a expandir a rede técnica apenas
muito recentemente, começando
pelo acordo com o Sistema S ( formado
por entidades como o Sesc,
Senac, Senai e Sesi, entre outras,
com recursos extraídos do
faturamento das empresas, com a finalidade
de qualificar e promover o
bem-estar social de seus funcionários),
que já teve um impacto formidável
na qualificação. Em 2010, tivemos
uma ampliação de 23% das
vagas gratuitas oferecidas no Sistema
S, pelo Senai e pelo Senac. Pelo
programa Brasil Profissionalizado, foi
feita a reestruturação do ensino médio
técnico estadual. De técnicos, já
estamos formando mais de um milhão
por ano, sem contar quem sai
de cursos de qualificação.
DINHEIRO – O governo espera
elevar o atual um milhão de
alunos no ensino técnico para
quanto?
HADDAD – Temos a meta de
dobrar, que está no Plano de Desenvolvimento
da Educação (PNE), até
2020. Mas eu imagino que possamos
triplicar o número de matrículas,
superando três milhões no fim da
década.
DINHEIRO – Como vai ser a
participação do Sistema S e do setor
privado, de um modo geral
no Pronatec?
HADDAD – O setor privado vai
poder utilizar o financiamento estudantil
para empresas que queiram
qualificar seus funcionários nas escolas
credenciadas pelo MEC. Neste
ano, já teremos de cara R$ 300 milhões,
mas o ministro Guido Mantega
(Fazenda) já sinalizou que, como se
trata de um financiamento, esses recursos
podem subir. E os juros são
muito vantajosos, de 3,4% ao ano,
negativos em termos reais. Temos
um acordo, ainda, com o Sistema S,
que manda destinar, até 2014, dois
terços da contribuição compulsória,
que incide sobre a folha, para cursos
gratuitos. Temos também a expansão
da rede federal, que hoje
conta com 354 unidades, sendo que
214 foram construídas no governo
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e a presidente Dilma autorizou
mais 200 até 2014. Isso porque o
programa de Financiamento Estudantil
(Fies) para ensino superior tem
mais demanda do que oferta. Temos
um orçamento de mais de R$ 2 bilhões
em convênios firmados, desde
2009.
DINHEIRO – Qual é o orçamento
desses projetos?
HADDAD – Se considerarmos
todos os programas ligados ao
Pronatec, incluindo o que a União vai
investir, o Sistema S e os recursos
do Fies, dá mais de R$ 10 bilhões.
São recursos novos, além dos R$ 60
bilhões de orçamento do Ministério
da Educação.
DINHEIRO – Como se definem
os cursos que serão criados
e onde?
HADDAD – Infelizmente, teremos
de começar onde houver capacidade
de oferta. Temos poucas escolas
técnicas no Brasil e, à luz das
necessidades, deveríamos ter o dobro
ou o triplo do atual. Mas o
Pronatec vai favorecer a expansão
da oferta porque o BNDES terá uma
linha de financiamento para ampliação
da rede física. Do lado da demanda,
haverá as bolsas e o financiamento
estudantil para as empresas.
Então, temos uma combinação virtuosa
de oferta e demanda. Nos próximos
anos, teremos mais pessoal
capacitado, tanto para a construção
civil, que está com um gargalo enorme,
quanto para outras áreas técnicas.
DINHEIRO – Mesmo perto do
pleno emprego, não houve queda
nos gastos com seguro-desemprego.
A qualificação melhora isso?
HADDAD – Algo que estamos
pensando é condicionar a concessão
do seguro-desemprego à frequência
em cursos profissionalizantes, sobre-
Continuação
Continuação 11/05/11
tudo para os reincidentes. A lei autoriza
a União a condicionar o pagamento
do benefício ao comparecimento
a um curso. Não vamos negar
o benefício ao desempregado,
mas ao fazer o curso de qualificação
o trabalhador reduz a chance de voltar
a depender desse dinheiro. Hoje
o seguro-desemprego consome R$
24 bilhões.
DINHEIRO – Como o Brasil
se compara com outros países na
formação de mão de obra?
HADDAD – Isso depende para
onde olhamos. Tanto do ponto de
vista qualitativo como do quantitativo,
a educação brasileira está sendo
notada pelos organismos internacionais,
como os da OCDE, do Banco
Mundial, da Unesco. Por exemplo,
o Banco Mundial destacou o aumento
da escolaridade brasileira, que
superou em proporção ao da China.
O da OCDE coloca o Brasil entre
os países que mais evoluíram em
qualidade na década, embora partindo
de um patamar ainda baixo. Há
um certo consenso de que nós tiramos
a educação brasileira da inércia.
Nos últimos cinco anos, nós elevamos
em um ponto porcentual o
investimento em educação em relação
ao PIB, de 4% para 5% do PIB.
DINHEIRO – A meta é chegar
a quanto?
HADDAD – A ideia é chegar em
7% até o fim da década. O PNE está
agora no Congresso Nacional, onde
vamos discutir quando vamos chegar
a 7%.
DINHEIRO – O relatório do
Banco Mundial diz que o Brasil
investe tanto quanto outros países,
só que com maus resultados...
HADDAD – Vamos ponderar.
Educação não se compra à vista nem
em suaves prestações. Não adianta
chegar a 5% do PIB. A questão é
durante quanto tempo se investiu 5%
do PIB e essa é a pergunta que o
relatório não faz. É um fruto que se
colhe numa geração. Só agora começamos
a investir isso. Os outros
países já investem esse percentual há
décadas. E, no século passado, o
Brasil investiu cerca de 2% do PIB.
Não é em um ano que vamos pagar
uma dívida de 100 anos.
DINHEIRO – Os empresários
se queixam muito da distância
entre o currículo das universidades
e a realidade da indústria.
O sr. concorda?
HADDAD – O plano de expansão
previa também a reestruturação
curricular. Essa dimensão não foi tão
valorizada pelas universidades quanto
a expansão. Isso é correto afirmar.
Mas há universidades que têm
projetos pedagógicos diferenciados.
DINHEIRO – A presidente
Dilma anunciou 75 mil bolsas
para formação no Exterior na
área de exatas até 2014 e pediu
que o setor privado financie mais
25 mil. Já tem empresas interessadas
nesta parceria?
HADDAD – Ainda não deu tempo,
vamos começar a conversar com
as empresas agora. Vamos dividir
essas bolsas principalmente em duas
categorias: bolsas de doutorado e
uma graduação sanduíche, na qual o
aluno faz um ano da graduação numa
instituição parceira no exterior. Isso
tem um impacto muito grande na
volta, pela experiência que ele viveu,
e os custos são relativamente baixos.
Hoje temos cerca de 5,5 mil estudantes
em intercâmbio no Exterior e
queremos aumentar para 100 mil até
2014.





Nenhum comentário:

Postar um comentário