quarta-feira, 13 de junho de 2012

As principais novidades e as tendências na votação do novo PNE


   
As principais novidades e as tendências na votação do novo PNE
Em tramitação desde meados de dezembro de 2010, quando o Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional sua proposta para o novo Plano Nacional de Educação (PNE), o PL 8035/2010 deve ter votação iniciada nesta terça-feira, 12/6, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que trata da matéria.
As principais polêmicas giram em torno da educação especial, prazo para alfabetização de crianças e financiamento da educação. Para o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o texto original do novo PNE era “anímico”. “O texto que irá a voto, após mais de três mil emendas analisadas e diante de centenas de destaques, é marcadamente melhor. Contudo, por mais que o processo de votação na Comissão Especial ainda corrija distorções, haverá muito a ser melhorado no Senado Federal. Isso não preocupa, porque é da própria natureza do sistema legislativo bicameral. O importante é que a sociedade civil participou e, em termos gerais, o processo foi muito rico, embora excessivamente lento”, declara.
A seguir, o coordenador da Campanha analisa as principais novidades e polêmicas que irão a voto, a partir de hoje.
Boa parte das propostas incorporadas pelo relator da matéria, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), advém de propostas da Campanha ou de organizações que compõem o movimento “PNE pra Valer!”, criado e coordenado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Praticamente todas elas foram incorporadas por deputados e deputadas de todos os partidos representados na Comissão Especial. 
Educação infantil
“A Meta 1, que trata de educação infantil, está razoavelmente melhor que a original. A boa notícia, fruto da mobilização da comunidade educacional, é que o voto complementar do relator, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), excluiu o estímulo ao estabelecimento de creches noturnas no novo PNE. A proposta tinha surgido no segundo relatório substitutivo. Caiu porque a ideia de creche noturna fere a própria concepção de creche, estabelecida em normativas do CNE (Conselho Nacional de Educação). Segundo a resolução 5/2010 da Câmara de Educação Básica do CNE, devidamente homologada pelo MEC (Ministério da Educação), ‘a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social.’
Contudo, todos reconhecem que é necessário, em uma perspectiva de atendimento global dos direitos das crianças e das famílias, estabelecer políticas públicas de assistência social que implementem dormitórios para crianças pequenas, inclusive para viabilizar o direito das mães e dos pais ao trabalho e ao estudo no período noturno. No entanto, isso não pode ser computado como matrícula em creche, muito menos pode contar com os já insuficientes recursos destinados à MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino).”
Expectativas de aprendizagem
“O termo ‘expectativas de aprendizagem’ é ruim, excessivamente minimalista e pobre em termos de debate curricular. Surgiu na proposta original do novo PNE porque foi um conceito trabalhado em alguns instrumentos que estabeleceram o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), criado no segundo mandato do Presidente Lula. O conceito evoluiu agora para “proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento”, que serão definidos por meio de debate público liderado pelo MEC (Ministério da Educação), a ser concluído em até dois anos de vigência do novo PNE. A vantagem do novo conceito é que ele não se limita a apontar objetivos conteudistas, mas avança na compreensão do direito. Em outras palavras, assume que é preciso garantir também insumos e processos de gestão educacional para o alcance pleno da aprendizagem, além do respeito às condições de trabalho dos professores. Há espaço para o Senado Federal aprimorar ainda mais o nível de avanço alcançado na Câmara dos Deputados, tornando o conceito mais concreto e prático. As expectativas de aprendizagem constavam das metas 2, 3 e 7 do novo PNE”.
Educação Especial
“Há um erro original na proposta do novo PNE. Ao invés de considerar que todas as metas tratam da educação de forma inclusiva, decidiu-se criar uma meta específica para a educação de pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. O problema é que o debate criou uma cisão desnecessária e falsa entre os defensores da educação inclusiva e os profissionais, familiares e cidadãos que utilizam serviços de organizações sociais que oferecem o atendimento complementar especializado. Seria mais interessante o PNE ser categórico: qualquer educação, por princípio, deve ser inclusiva. Complementarmente, o plano deveria também considerar o importante papel desempenhado pelas organizações sociais que oferecem atendimento complementar especializado.
A conciliação pode ser alcançada no Senado Federal ou já na Câmara dos Deputados, mas hoje isso parece ser muito improvável. A tendência na Comissão Especial é aprovar um texto mais próximo dos interesses das organizações sociais dedicadas ao atendimento complementar especializado. Essa é uma questão que exigirá, até o fim da tramitação do PNE, muita sabedoria.”
Período para alfabetização de crianças
“Essa é uma das principais polêmicas do novo PNE. Originalmente, o MEC propôs alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os 8 anos de idade. Contudo, a idade das crianças não dialoga com a organização das redes de ensino, pautadas por anos e ciclos de aprendizagem. Assim, alguns deputados e atores sociais e políticos propõem a alfabetização de crianças até o primeiro ou segundo ano do Ensino Fundamental. Outros, especialmente gestores, professores, conselheiros de educação e pesquisadores dedicados ao tema optam pelo terceiro ano como meta de alfabetização. A diferença está entre optar por uma alfabetização aligeirada ou por uma alfabetização plena. Pesquisa recente da Fundação Carlos Chagas mostra que crianças alfabetizadas no tempo correto, de forma plena, com mais cuidado e sem pressa, aprendem melhor ao longo de seu percurso escolar do que crianças alfabetizadas precocemente. A questão deve ser motivo de intenso debate na Comissão Especial, com boa tendência de maioria para a alfabetização de crianças até o terceiro ano do Ensino Fundamental. As investigações científicas mostram que esse é o melhor caminho.”
Qualidade da educação e avaliação
“Desde o texto original, produzido pelo Poder Executivo Federal, a proposta do novo PNE falha ao confundir avaliação com qualidade. Em uma metáfora, é o mesmo que dizer que é o termômetro, e não a infecção, o responsável pela febre. Ou compreender que é a balança, e não a dieta, quem garante a perda de peso. Ou seja, mesmo diante do avanço de se estabelecer um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), entre os artigos da Lei do novo PNE, o texto continua confundindo as médias nacionais do Ideb com padrão de qualidade. Assim, melhor seria que a Meta 7 apontasse para o alcance de um padrão de qualidade. Nesse caso, as metas do Ideb seriam transformadas em estratégias, assim como ocorre com a pontuação do Pisa [sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação da Educação]. O Senado Federal precisará empreender uma reforma da Meta 7 do novo PNE, até para que ela faça sentido.”
Valorização dos profissionais da educação básica
“O principal avanço foi mudar o verbo da Meta 17. Enquanto o projeto original do Governo Federal propunha ’aproximar’ o patamar de rendimento médio dosprofissionais do magistério das redes públicas da educação básica com os demais profissionais com escolaridade equivalente, o relatório de Angelo Vanhoni propõe igualar. A diferença de um verbo e do outro é que aproximar significa qualquer diminuição positiva da distância entre o salário dos professores dos demais profissionais. Igualar é zerar, na média, a diferença de remuneração.”
Gestão democrática
“A Meta 19 melhorou, mas continua confusa. O Brasil tem enorme dificuldade de promover a gestão democrática. É a meta que menos avançou entre todas do PNE. O Senado Federal deve propor algumas audiências públicas sobre o tema.”
Financiamento da educação
“Embora Vanhoni não tenha aceitado as conclusões dos estudos técnicos da sociedade civil, que comprovam a necessidade do patamar equivalente a 10% do PIB para educação pública, em especial aqueles produzidos pela Campanha, todas as outras propostas da rede foram incorporadas.
O novo PNE demanda a transferência de 50% dos recursos da União advindos da exploração de minerais, inclusive petróleo, para MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino). Esta é uma importante vitória da comunidade educacional, em especial do movimento estudantil.
O voto complementar incorporou também um importante mecanismo de controle social dos recursos proposto pela Campanha, ao articular unidades de gestão educacional (MEC e secretarias de educação), com os conselhos do Fundeb e os tribunais de conta.
Além disso e, mais importante, o novo PNE incorpora o instrumento do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e absorvido pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). O texto do novo PNE avança mais e determina que, em um prazo de dois anos após a publicação da Lei, deve ser empreendida a implementação do CAQi.
Como o Brasil precisa avançar, além do financiamento dedicado a universalizar um padrão mínimo de qualidade, materializado pelo CAQi, até o final do PNE deve ser implementado o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), que representa um esforço de aproximação do patamar de investimento por aluno ao ano praticado no Brasil daquele verificado nos países mais desenvolvidos. Por fim, como mais importante meio de viabilização das propostas, o relator incorporou a justa reivindicação de que cabe à União, na forma da Lei, a complementação de recursos financeiros a todos os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.
Qual é o drama de toda a Meta 20 e da própria viabilização do novo PNE? É que sem o patamar equivalente a 10% do PIB em investimento público direto, ou seja, recurso público na educação pública, nada disso poderá ser efetivamente realizado. Ou pior, e como comprova a Nota Técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação que trata desta meta financiamento, o novo PNE gerará expansão do acesso, mas não garantirá a universalização de um bom padrão de qualidade do ensino. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado à Presidência da República) contribuiu muito com o debate, mostrando quais são as fontes de financiamento possíveis para pagar os 10% do PIB em educação pública. Resta agora contarmos com a coragem dos parlamentares. Vale lembrar que alcançar 10% do PIB para educação pública representa um acréscimo cumulativo de 0,5% do PIB ao ano de investimento em políticas educacionais. Ou seja, é um esforço factível.”
Controle social
“Embora Vanhoni tenha incorporado a proposta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação de que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao MEC) produza obrigatoriamente, a cada dois anos, estudos para analisar o cumprimento do PNE, diversas metas permanecem sem objetivos intermediários. Nenhum plano funciona sem boa gestão. E não há boa gestão de políticas públicas sem efetivo controle social. Nisso o PNE falha ainda. É mais uma tarefa que deverá ser resolvida pelo Senado Federal.
Contudo, graças aos estudos que deverão ser produzidos pelo Inep, será fácil realizar na educação uma proposta comum a outras áreas: organizar observatórios para analisar o cumprimento das metas do novo plano. Não se trata de uma ideia nova, mas pode ser um instrumento bastante importante.”
Cooperação federativa e regime de colaboração
“Também proposta construída com colaboração da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o novo PNE determina na estratégia 20.9 a regulamentação, em até dois anos após a aprovação do novo plano, dos artigos 23, parágrafo único e 211 [o texto aponta 214, mas será corrigido] da Constituição Federal. O primeiro trata da cooperação federativa, o segundo da colaboração entre sistemas de ensino. Em português claro, isso significa criar mecanismos que obriguem a União a colaborar técnica e financeiramente com os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Do mesmo modo, cada Estado também deve estabelecer o que? com seus respectivos municípios. O objetivo é corrigir distorções históricas do federalismo brasileiro e promover a equidade educacional. Em suma, caso seja bem feita a regulamentação dos dois artigos supracitados, trata-se de uma mini, mas precisa, reforma federativa. Será esse debate, sobre Cooperação Federativa e Regime de Colaboração, que irá definir como será paga a conta dos 10% do PIB, ou dos 8% do PIB ou 7,5% do PIB, como propõe o relator Angelo Vanhoni (PT-PR)”.
Avaliação geral do conteúdo e da tramitação do novo PNE
“O texto original do novo PNE era anímico. O texto que irá a voto, após mais de três mil emendas e diante de centenas de destaques, é mais preciso e adequado. Contudo, por melhor que seja o processo de votação, há muito a ser aprimorado no Senado Federal. Isso não preocupa, pois é da própria natureza do próprio sistema legislativo. O importante é que a sociedade civil participou e, em termos gerais, o processo foi muito rico, embora excessivamente lento. Hoje não creio que o PNE seja sancionado antes do primeiro semestre de 2013. Temos que trabalhar por mais celeridade, quem sabe para ganhar dois a três meses.”

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