quarta-feira, 2 de março de 2011

02/03/2011 - Manifesto da Professora Fátima Guerra (UnB) sobre o PL 75/2011 - criação de creches domiciliares

Pronunciamento da Professora Fátima Guerra (UnB) para a Rádio Câmara sobre o Projeto de Lei 75/2011, do Deputado licenciado Luiz Pitiman (PMDB-DF), que estimula a criação de creches domiciliares para crianças de até 3 anos que morem nas áreas vizinhas, com atendimento preferencial a filhos de mães trabalhadoras.

Penso que a proposta de lei relativa às “Creches” domiciliares caminha na direção oposta das conquistas da sociedade brasileira relativas à educação das suas crianças, notadamente as menores – de 0 a 3 anos. É uma proposta que se desvia da Constituição, que explicita ser a educação um dever do Estado e, no caso da educação infantil, essa obrigatoriedade será efetivada “em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Aos mais desavisados, a referida proposta de lei pode parecer uma idéia boa. Talvez seja vista, também, pela mãe trabalhadora, como uma solução emergencial (mais uma?!?!) para resolver o problema de aonde deixar o filho enquanto trabalha. Contudo, isso não passa de uma falsa solução, além de um desrespeito ao direito das crianças (e das suas famílias) de acesso a uma educação infantil de qualidade, em instituições públicas de ensino – creches e pré-escolas. Não se pode dizer que a proposição de “creches” domiciliares reflita uma política que assegure à criança, com absoluta prioridade o seu “direito à vida, à saúde, à alimentação, e à educação”.
           Estudos e pesquisas nacionais e internacionais têm mostrado a relevância das vivências e experiências educacionais das crianças em seus primeiros anos de vida, fase em que se formam, com mais intensidade, as conexões cerebrais e as bases gerais do ser pessoal e social. O que ocorre (ou deixa de ocorrer) nos primeiros anos de vida, tende a decidir histórias e trajetórias de vida, além de ser relevante para as etapas posteriores do desenvolvimento, incluindo o período da escolarização.
          Por melhor que pareça para a mãe, uma solução para os seus problemas de conciliar seu trabalho com o cuidado e a educação dos filhos, para as crianças, “creches” domiciliares são, em si, arranjos limitados, que estão longe de poder oferecer à criança, “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. A realidade seria diferente se a criança tivesse a oportunidade de acesso a uma instituição educativa pública de qualidade. Essas sim, com melhores condições para criar um contexto estimulante e desafiador para a criança, onde ela tenha variadas oportunidades de interações com os pares e com os adultos, e de envolver-se em atividades diversificadas – individual e coletivamente, o que favorece o seu desenvolvimento e aprendizagem, aumentando assim, as suas oportunidades para ter um “desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
          Em ambientes educativos devidamente planejados, com profissionais docentes e não docentes com formação adequada, como o esperado em creches públicas, a criança poderá ter mais facilmente respeitado o seu direito à liberdade, pela disponibilidade de maiores espaços para “brincar, praticar esportes e divertir-se”. De modo geral, em uma creche pública de qualidade a criança poderá ter respeitado, também, o seu “direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. Os pais, por sua vez, poderão ter, como um direito, “ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais”. Em uma “creche” domiciliar, nada obriga a se ter uma proposta político pedagógica em si, o que é mais um fator limitante desse tipo de atendimento para a criança pequena.
          Desde a LDB (Lei 9394 de 1996), quando a educação infantil passou a ser considerada como primeira etapa da educação básica, a expectativa (e direito) da sociedade era a de que houvesse a ampliação da rede pública de creches, para as crianças de 0 a 3 anos. Tal ampliação, contudo, não se desvincula da necessidade de um ensino de qualidade. Em todas as cidades ou em todos os municípios, há que se ter isso como meta prioritária: ampliar com qualidade. Qualidade e equidade. Meta que deve, também, ser incorporada ao PRONEI - Programa Nacional de Educação Infantil para a Expansão da Rede Física (Pronei) de creches, aprovado no final do ano de 2010, como lei autorizativa; e nas ações relativas ao mais recente (início de 2011) anúncio do Governo Federal de que, em todo o país, as prefeituras terão que construir seis mil creches e escolas públicas de educação infantil, até 2014 (Programa de Aceleração do Crescimento - PAC-2).
          Não sem propósitos se afirma: “Desenvolva a criança, desenvolva a nação”. A importância de se investir na educação de qualidade é consenso universal. Essa preocupação tem sido cada vez maior - nacional e internacionalmente. Pesquisas têm mostrado que os benefícios de uma educação infantil de qualidade tendem a ser ainda maiores, no caso das crianças de famílias de baixa renda ou de grupos minoritários, visto que as alternativas de convivência em um ambiente letrado, seguro, saudável, desafiador e estimulante, que favoreça o seu desenvolvimento e aprendizagem, são mais restritas.
                 A idéia de creches domiciliares pode, à primeira vista, ser algo bom para as mães. Contudo, se houvesse a possibilidade de escolha entre esse tipo de “creche” e uma creche pública de qualidade, com proposta pedagógica adequada aos pequenos e discutida por todos os que a compõem, com profissionais docentes e não docentes devidamente formados, com um espaço seguro e acolhedor, bem iluminado e ventilado, com possibilidade de oferta de atividades diversificadas para as crianças, com espaço para as crianças se movimentarem, brincarem, correrem, tomar sol, e ainda, um trabalho aberto de parcerias entre a escola, a família e a comunidade mais ampla, certamente que a mãe escolheria essa segunda opção.
                 A direção certa da política educativa para as crianças pequenas deveria ser esta: instituições educativas da mais alta qualidade, para as crianças brasileiras.
                 Por que não oferecer já o melhor para a criança, desde o seu nascimento? Por que negar a ela o direito a um melhor começo de vida? Por que comprometer o seu futuro, afetando já o seu presente?”

 "Muitas coisas que precisamos pode esperar; a criança não. Agora é o tempo que seus ossos estão sendo formados, seu sangue está sendo feito, seu corpo sendo desenvolvido. Para ela não podemos dizer amanhã. Seu nome é hoje”.  (Gabriela Mistral, poetisa chilena).

Contraposição legal ao PL 75/2011.

A - CONSTITUIÇÃO:
   
O Art. 208 da Constituição é muito claro: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

[...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) [...].

Já o Art. 227 reza: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

B – ECA (Lei 8.069 de 1990)

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
[...]
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
[...]
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
[...]
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
[...]
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
[...]

C – LDB (Lei 9394 de 1996).

TÍTULO III
Do Direito à Educação e do Dever de Educar
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
[...]
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
(mudado posteriormente, para 0 a 5 anos – Lei do Ensino Fundamental de 9 anos).
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
CAPÍTULO II
DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Seção II
Da Educação Infantil
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
[...]

*Fonte: Secretaria Executiva do MIEIB, com autorização expressa da autora.

Comentários
Fátima Albuquerque- Palmas/TO
Concordo com o texto, uma vez que essas "creches domiciliares" não terão estrutura física adaptada para atender as crianças, bem como o pedagógico.
Fica aqui alguns questionamentos: quem serão os profissionais que estarão com essas crianças enquanto a mãe trabalha? esse profissional terá formação específica na área da educaçãopara atuar? E a alimentação? Por quem será feito o acompanhamento do dia-a-dia destas crianças? E o desenvolvimento integral da criança? Entre outros...
"Será que essa seria uma opção barata que sairia cara" visando as consequencias de uma infancia não planejada?
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