quarta-feira, 15 de junho de 2011

Criança não trabalha

Criança não trabalha
Por que ainda existem 4,2 milhões de crianças trabalhando no país?
por Mariana Mainenti
marianamainenti.df@dabr.com.br
Mais de quatro milhões de
brasileirinhos despertam cedo todos
os dias para garantir a sua
sobrevivência. Com o cansaço da
labuta, os estudos ficam em segundo,
terceiro ou nenhum plano. Em
reportagens publicadas no último fim
de semana, o Correio mostrou a rotina
dos pequenos que trabalham bem
debaixo do nariz daqueles que têm o
poder de mudar essa realidade.
No Plano Piloto, onde está situado
o comando do país, parando em um
semáforo, foi possível encontrar o
garoto Lucas* pedindo esmolas —
trabalho que é acompanhado pela
mãe dele à distância. Mãe e filho são
de Planaltina, satélite para a qual o
GDF não encaminhou qualquer caso
de criança trabalhadora em 2011,
segundo informou o Conselho Tutelar.
Na Cidade Estrutural, a reportagem
deparou-se com Vitória*. Com
apenas sete anos, ela tem as mãos
machucadas por revirar diariamente
o lixo atrás de ferragens para vender
a uma cooperativa.
Em comum, eles têm a pobreza.
Os dados preliminares do Censo 2010,
apresentados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística,
mostraram que há muito mais Lucas
e Vitórias no país do que se poderia
imaginar. Entre os extremamente
pobres, mais da metade (50,9%)
encontra-se em idades até 19 anos.
Os menores são de famílias com
rendimento nominal mensal de até R$
70,00 per capita. São essas as
crianças às quais não conseguiu
chegar o mesmo Estado que elevou
30 milhões de brasileiros à classe
média.
Paradoxalmente, em relatório
divulgado na última sexta-feira, a
Organização Internacional do
Trabalho (OIT) elogiou o modelo do
Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (Peti) e ressaltou o fato de ele
estar sendo, inclusive, exportado para
outros países. O principal êxito,
acredita a OIT, está no Bolsa Família.
Mas, se as políticas públicas
brasileiras servem de farol em nível
mundial, por que ainda existem 4,2
milhões de crianças trabalhando no
país? Para o coordenador do
Programa Internacional para a
Eliminação do Trabalho Infantil para
a OIT no Brasil, Renato Mendes, o
problema está na distância entre o
desenvolvimento dos projetos em nível
federal e a aplicação deles por
estados e municípios.
Invisibilidade
O DF é um caso emblemático. No
Plano Piloto, as crianças que vêm das
satélites e do Entorno trabalham
vendendo doces nos sinais de trânsito
e nos bares; catando lixo para
reciclagem; e como domésticas nas
casas de família que somam o segundo
maior Produto Interno Bruto per
capita do país. Mas elas parecem
invisíveis aos olhos das autoridades
responsáveis. Os que trabalham na
Esplanada dos Ministérios as
consideram problema local. O GDF,
por sua vez, não se esforça para
incluí-las em programas sociais porque
elas residem fora do Plano Piloto. E,
para as satélites e o Entorno, fica fácil
fazer vista grossa, já que as atividades
laborais acontecem em Brasília.
A falta de articulação entre as
instâncias federal, estadual e municipal
somada à ausência de um projeto
consistente de educação em tempo
integral constituem o principal
empecilho para que o país deixe para
trás a realidade do trabalho infantil. E
não é apenas o futuro dessas crianças
que está em jogo, é também o do país.
Não é à toa que dez em cada dez
empresários apontam o problema
educacional como um dos principais
empecilhos aos investimentos.
Como bem disseram os
compositores Arnaldo Antunes e
Paulo Tatit no refrão da música que
ficou conhecida de pais e filhos nas
vozes dos integrantes do premiado
grupo Palavra Cantada, Criança não
trabalha, criança dá trabalho. Sim,
senhores governantes, criança dá
trabalho mesmo, mas nada que não
se resolva com um pouco mais de
vontade política. Se os adultos fizerem
a sua parte, elas não mais precisarão
trabalhar.
* Nomes fictícios
Mariana Mainenti é subeditora de
Economia
CORREIO BRAZILIENSE

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